Lei antiterrorismo dá brecha para violação a direitos

08 de MARçO de 2014 • Por: ,

É a velha estratégia: quando o Estado fracassa em resolver problemas sociais, recorre à violência penal para dar conta do conflito. Essa prática é antiga e tão obsoleta quanto ineficaz, mas ainda se repete no processo legislativo nacional com a proposta de lei antiterrorismo.

Trata-se da absorção de anseios de parte da população para alimentar a sensação de insegurança, mesmo que isso signifique restringir a liberdade de grupos considerados “indesejáveis”. Afinal, para o populismo penal, o insubordinado deve sentir o peso da disciplina.

O populismo penal e a proposta de lei antiterrorismo

Não podemos mais conviver com semelhante populismo na formulação de leis penais. Esse movimento se intensificou na proposta de lei antiterrorismo (PLS 499/13), apresentada após a comoção nacional causada pela trágica morte do cinegrafista Santiago Andrade.

O problema está na definição ampla de terrorismo que o projeto trouxe, permitindo enquadrar como ato terrorista qualquer conduta que “provoque ou infunda terror ou pânico generalizado”. Essa tipificação excessivamente genérica ameaça a liberdade de associação e a organização dos movimentos sociais.

As penas previstas são duríssimas: de 15 a 30 anos, podendo chegar a 24 a 30 anos em caso de morte — mais severas do que as previstas no projeto de Código Penal (até 20 anos) para o crime de terrorismo.

Paralelos com o regime militar

Essa prática antidemocrática lembra a adotada durante a ditadura militar, que teve seu auge com o AI-5. Assim como naquela época, elege-se agora um suposto inimigo interno, confundindo segurança urbana com segurança nacional.

Instalou-se um clima de guerra interna, em que o Estado não protege o bem comum, mas busca perpetuar o regime político por meio da violência, prisões e processos arbitrários.

Consequências das legislações-álibi

As chamadas “legislações-álibi” têm efeitos graves em diferentes níveis:

  • Retrocesso democrático: representam ameaça à consolidação da democracia ao restringir a liberdade de manifestação e controlar movimentos sociais;
  • Policialização da vida social: reforçam a lógica de repressão em vez de diálogo;
  • Impacto econômico: soluções penais são custosas e acumulam efeitos negativos, como já evidenciado pela crise do sistema carcerário brasileiro.

A retórica do medo e os riscos à liberdade

A retórica dos chamados “intelectuais do medo” faz parecer que a sociedade só estará segura com punições duras e seletivas. Assim, vende-se a ilusão de que a repressão garantirá paz social.

No entanto, é preciso reagir racionalmente ao medo, criando estratégias democráticas para proteger manifestantes pacíficos e assegurar o direito constitucional de protesto.

Caminhos democráticos para lidar com manifestações

A diferença entre o manifestante legítimo e o vândalo pode ser sutil. Por isso, algumas medidas são fundamentais:

  • Restringir o uso de máscaras, para evitar anonimato em atos violentos;
  • Garantir que o policiamento seja treinado para proteger direitos;
  • Assegurar o livre exercício do direito de manifestação política, como determina a Constituição.

O papel da Constituição e a falha do Senado

É verdade que a Constituição Federal repudia o terrorismo e que o Brasil deve à comunidade internacional a regulamentação do tema. Mas isso não justifica iniciativas apressadas e perigosas como a proposta do Senado, que reforça preferências eleitorais em vez de proteger a democracia.

Eduardo Saad-Diniz é professor doutor de Direito Penal da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (USP).

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