Decreto de Indulto de 2008: inovações, impactos e desafios

01 de FEVEREIRO de 2009 • Por: ,

Em 22 de dezembro de 2008, o Presidente da República assinou o Decreto 6.706/2008, concedendo indulto natalino e comutação de penas (DOU de 23/12/08).

O texto final foi resultado de um processo democrático e participativo. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) elaborou a primeira redação, com contribuições de entidades públicas e privadas: Ministérios Públicos, magistraturas, defensorias públicas, OAB, conselhos penitenciários e ONGs como o IBCCRIM.

Após audiência pública no Ministério da Justiça, os conselheiros votaram artigo por artigo. O decreto ainda recebeu contribuições técnicas do Ministério da Justiça e da Casa Civil.

Esse processo teve como pano de fundo a superpopulação carcerária brasileira, um dos maiores problemas do sistema penal.

Principais inovações do Decreto 6.706/2008

O decreto trouxe mudanças significativas em relação ao indulto do ano anterior:

  • Indulto às mulheres encarceradas, mães de deficientes mentais ou de menores de 16 anos que necessitam de seus cuidados (art. 1º, IV).
  • Indulto à pena pecuniária, e não apenas à privativa de liberdade (art. 1º, VI).
  • Ampliação do indulto na Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), estendendo-o aos delitos do art. 33, §§ 2º, 3º e 4º (art. 8º, I).
  • Indulto às medidas de segurança, para quem já cumpriu período igual ou superior ao máximo da pena cominada (art. 1º, VIII).
  • Comutação de penas para penas restritivas de direito (art. 2º).

Essas medidas, inéditas em muitos aspectos, abriram novos debates doutrinários e práticos na execução penal.

Indulto e medidas de segurança

A concessão de indulto a pessoas submetidas a medidas de segurança foi um marco importante. Muitos internos, autores de delitos sem violência, permaneciam anos em Hospitais de Custódia, sem tratamento adequado ou perspectiva de liberdade.

Inspirado no magistério de Eduardo Reale Ferrari, o decreto fixou que a duração da medida não pode ultrapassar a pena máxima prevista para o delito. Persistindo a incapacidade, a solução deve ser a interdição civil, retirando a questão da esfera penal.

Indulto às penas pecuniárias

Outra inovação relevante foi a inclusão das penas pecuniárias no âmbito do indulto. Até então, apenas penas privativas de liberdade eram alcançadas, restando a multa a ser executada.

O art. 84, XII da Constituição autoriza genericamente o Presidente a conceder indulto e comutar penas, sem especificar quais. Assim, se pode indultar penas mais graves, também pode fazê-lo em relação às menos graves.

Essa medida ajudou a desafogar as Varas de Execução Penal, retirando inúmeros processos de cobrança de multas.

Indulto e a Lei de Drogas

O decreto também trouxe inovação no tratamento da Lei de Drogas. Ao permitir o indulto a condenados pelo art. 33, §§ 2º a 4º, desde que não houvesse mercancia, o decreto estabeleceu um marco interpretativo:

  • Tráfico ilícito de drogas só se configura quando há finalidade de comércio (mercancia).
  • Condutas sem essa finalidade não podem ser equiparadas a crime hediondo.

Com isso, o decreto corrigiu lacunas da legislação e afastou restrições desproporcionais previstas na Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90).

Conclusão: avanços e desafios

O Decreto de Indulto de 2008 representou um passo importante no enfrentamento do problema carcerário, trazendo inovações em relação às medidas de segurança, às penas pecuniárias e ao tratamento do tráfico de drogas.

Contudo, ele abre novas discussões doutrinárias e mostra que ainda há muito a avançar no aperfeiçoamento da execução penal no Brasil.

Sérgio Salomão Shecaira Presidente do CNPCP, professor titular da USP, ex-presidente do IBCCRIM e advogado criminal

Pedro Luiz Bueno de Andrade Advogado criminal

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