Desde sua entrada em vigor, em outubro de 2006, a Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06) tem sido objeto de intensos debates. Diversos autores analisaram a norma sob diferentes perspectivas, destacando críticas e reflexões sobre sua aplicação.
O Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, já decidiu que não houve abolitio criminis no caso do art. 28 da nova lei, afastando dúvidas sobre a descriminalização da posse de drogas para uso pessoal.
Apesar da ampla análise doutrinária, ainda pouco se discutiu sobre o art. 33, que redefiniu condutas ligadas ao tráfico e substituiu o antigo art. 12 da Lei de Entorpecentes (Lei nº 6.368/76).
A Constituição e a equiparação ao crime hediondo
A Constituição de 1988, em seu art. 5º, XLIII, equiparou o tráfico ilícito de drogas aos crimes hediondos, sujeitando-o a restrições mais severas.
Historicamente, o legislador tratou todas as condutas descritas no antigo art. 12 como tráfico, sem grandes debates. Porém, juristas como Miguel Reale Jr. e Alberto Zacharias Toron já defendiam que nem todas essas condutas poderiam ser enquadradas na gravidade de um crime hediondo.
A inovação do art. 33 da Lei nº 11.343/06
O art. 33 da nova lei trouxe novos parágrafos e figuras jurídicas diferenciadas:
- § 2º: pune quem induz, instiga ou auxilia alguém ao uso indevido de drogas. Pena: detenção de 1 a 3 anos e multa.
- § 3º: pune quem oferece droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para consumo conjunto. Pena: detenção de 6 meses a 1 ano e multa.
As penas reduzidas demonstram que essas figuras não possuem a mesma gravidade do tráfico tradicional, que no caput prevê pena de 5 a 15 anos de reclusão.
O problema da hediondez
O ponto crítico é: seriam essas condutas equiparadas a crimes hediondos?
A resposta tende a ser negativa. O tráfico, em sua essência, está ligado a comércio, mercancia e trato mercantil fraudulento. Associar a gravidade de hediondez a atos como compartilhar um cigarro de maconha com um amigo, previstos no § 3º, é desproporcional e contrário ao espírito da lei.
Além disso:
- O § 2º, em tese, admite a aplicação da suspensão condicional do processo (Lei dos Juizados Especiais).
- O § 3º descreve conduta de menor potencial ofensivo, incompatível com o rótulo de hediondo.
Interpretação restritiva e jurisprudência
O art. 33 deve ser interpretado de forma restritiva, vinculando o conceito de hediondez apenas às condutas efetivamente ligadas ao comércio de drogas.
A jurisprudência corrobora essa linha. O STF e o STJ já decidiram que nem todas as figuras da lei configuram crime hediondo. Exemplo: o delito de associação para o tráfico (art. 35) não carrega essa classificação.
Mitigação de penas e casos específicos
O próprio art. 33, § 4º, prevê hipóteses de penas mitigadas quando o agente não é traficante contumaz, mas mero “passador” eventual. Nessas situações, não há justificativa para impor o peso das restrições da Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90).
Portanto, as condutas do art. 33 só podem ser consideradas hediondas quando identificadas com a prática de mercancia. Fora disso, o regime jurídico deve seguir os parâmetros gerais do Código Penal.
Sérgio Salomão Shecaira
Ex-presidente do IBCCRIM, professor associado de Direito Penal da USP e advogado criminal
Pedro Luiz Bueno de Andrade
Advogado criminal