A lei de drogas e o crime de tráfico

01 de AGOSTO de 2007 • Por: ,

Desde sua entrada em vigor, em outubro de 2006, a Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06) tem sido objeto de intensos debates. Diversos autores analisaram a norma sob diferentes perspectivas, destacando críticas e reflexões sobre sua aplicação.

O Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, já decidiu que não houve abolitio criminis no caso do art. 28 da nova lei, afastando dúvidas sobre a descriminalização da posse de drogas para uso pessoal.

Apesar da ampla análise doutrinária, ainda pouco se discutiu sobre o art. 33, que redefiniu condutas ligadas ao tráfico e substituiu o antigo art. 12 da Lei de Entorpecentes (Lei nº 6.368/76).

A Constituição e a equiparação ao crime hediondo

A Constituição de 1988, em seu art. 5º, XLIII, equiparou o tráfico ilícito de drogas aos crimes hediondos, sujeitando-o a restrições mais severas.

Historicamente, o legislador tratou todas as condutas descritas no antigo art. 12 como tráfico, sem grandes debates. Porém, juristas como Miguel Reale Jr. e Alberto Zacharias Toron já defendiam que nem todas essas condutas poderiam ser enquadradas na gravidade de um crime hediondo.

A inovação do art. 33 da Lei nº 11.343/06

O art. 33 da nova lei trouxe novos parágrafos e figuras jurídicas diferenciadas:

  • § 2º: pune quem induz, instiga ou auxilia alguém ao uso indevido de drogas. Pena: detenção de 1 a 3 anos e multa.
  • § 3º: pune quem oferece droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para consumo conjunto. Pena: detenção de 6 meses a 1 ano e multa.

As penas reduzidas demonstram que essas figuras não possuem a mesma gravidade do tráfico tradicional, que no caput prevê pena de 5 a 15 anos de reclusão.

O problema da hediondez

O ponto crítico é: seriam essas condutas equiparadas a crimes hediondos?

A resposta tende a ser negativa. O tráfico, em sua essência, está ligado a comércio, mercancia e trato mercantil fraudulento. Associar a gravidade de hediondez a atos como compartilhar um cigarro de maconha com um amigo, previstos no § 3º, é desproporcional e contrário ao espírito da lei.

Além disso:

  • O § 2º, em tese, admite a aplicação da suspensão condicional do processo (Lei dos Juizados Especiais).
  • O § 3º descreve conduta de menor potencial ofensivo, incompatível com o rótulo de hediondo.

Interpretação restritiva e jurisprudência

O art. 33 deve ser interpretado de forma restritiva, vinculando o conceito de hediondez apenas às condutas efetivamente ligadas ao comércio de drogas.

A jurisprudência corrobora essa linha. O STF e o STJ já decidiram que nem todas as figuras da lei configuram crime hediondo. Exemplo: o delito de associação para o tráfico (art. 35) não carrega essa classificação.

Mitigação de penas e casos específicos

O próprio art. 33, § 4º, prevê hipóteses de penas mitigadas quando o agente não é traficante contumaz, mas mero “passador” eventual. Nessas situações, não há justificativa para impor o peso das restrições da Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90).

Portanto, as condutas do art. 33 só podem ser consideradas hediondas quando identificadas com a prática de mercancia. Fora disso, o regime jurídico deve seguir os parâmetros gerais do Código Penal.

Sérgio Salomão Shecaira

Ex-presidente do IBCCRIM, professor associado de Direito Penal da USP e advogado criminal

Pedro Luiz Bueno de Andrade

Advogado criminal

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