A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) garantiu ao ex-presidente do Peru Ollanta Humala e à ex-primeira-dama Nadine Heredia acesso aos documentos de delações premiadas que o Ministério Público Federal (MPF) do Brasil compartilhou com o Ministério Público do Peru.
Contexto da investigação
O casal foi investigado por supostamente receber recursos da Odebrecht para financiar a campanha presidencial de 2011. As acusações se basearam em delações de Marcelo Odebrecht, Jorge Barata, Luiz Mameri e Valdemir Garreta.
Diante disso, a defesa pediu acesso integral às cópias dos documentos vinculados aos acordos de delação. O argumento central foi que os peruanos se tornaram alvos de ação penal no Peru a partir do conteúdo dessas colaborações, o que exigia acesso amplo às provas para assegurar o contraditório e a ampla defesa.
Divergência no julgamento
O recurso tramitava no STF há dois anos. O relator, ministro Luiz Edson Fachin, havia negado acesso em decisão monocrática. O caso seria julgado no Plenário Virtual, mas o ministro Gilmar Mendes pediu destaque e levou o processo para julgamento por videoconferência.
Gilmar Mendes divergiu do relator e defendeu o direito de acesso, sendo acompanhado pela maioria da Turma. Ele ressaltou que as provas foram produzidas no Brasil e que o conteúdo poderia ter sido selecionado antes do envio ao Peru, prejudicando os acusados.
Fundamentação de Gilmar Mendes
Gilmar aplicou a Súmula Vinculante 14, que garante ao defensor acesso aos elementos de prova, em conjunto com a Lei 12.850/2013.
Segundo ele, o acesso deve ser concedido quando:
- O ato de colaboração aponta para a responsabilidade criminal do acusado;
- O ato de colaboração não se refere a diligência em andamento.
Para o ministro, negar acesso violaria os princípios do contraditório e da ampla defesa, já que elementos essenciais poderiam não ter sido compartilhados com a Justiça peruana. Assim, votou por liberar os documentos que mencionam diretamente Humala e Heredia.
Apoio de Lewandowski e críticas ao MPF
O ministro Ricardo Lewandowski acompanhou Gilmar e criticou a atuação do Ministério Público. Ele apontou falhas no processo de cooperação internacional, destacando que a Constituição exige participação do Congresso Nacional em certos acordos, o que, segundo ele, não ocorreu nesse caso.
A posição do relator Fachin
O relator vencido, ministro Luiz Edson Fachin, sustentou que provas em sigilo e não incorporadas a investigações devem permanecer restritas até a formalização da cooperação jurídica internacional.
Fachin afirmou ainda que não havia notícia de homologação dos acordos de delação no Peru, e que caberia ao Estado estrangeiro admitir a prova pelos canais próprios de cooperação internacional. Para ele, não é papel do Judiciário brasileiro interferir na regularidade de investigações fora da sua jurisdição.
Repercussão para a defesa
O casal peruano foi representado pelo escritório Massud, Sarcedo e Andrade Advogados. O advogado Leonardo Massud avaliou a decisão como significativa, pois restaurou o direito de defesa em um caso de cooperação internacional em que os acusados não tinham acesso às provas que fundamentaram a acusação.