Caso Mércia Nakashima: é preciso distinguir publicidade de espetáculo

24 de MARçO de 2013 • Por:

Na última semana, em Guarulhos (SP), ocorreu o julgamento do caso da morte da advogada Mércia Nakashima, pelo qual o ex-namorado, Misael Bispo de Souza, é acusado.

O fato de alguém ser acusado por homicídio não é incomum. O que chamou atenção neste caso foi a transmissão ao vivo do julgamento. Mas será que essa prática é correta?

Publicidade como regra constitucional

A Constituição Federal, em seu artigo 93, IX, garante a publicidade dos julgamentos. Isso é não apenas saudável, mas democrático, pois permite que a sociedade conheça o teor das decisões judiciais.

A publicidade é fundamental para assegurar princípios como:

  • Isonomia: igualdade no tratamento das partes;
  • Legalidade: decisões fundamentadas na lei;
  • Contraditório e ampla defesa;
  • Proibição de provas ilícitas.

Além disso, as decisões judiciais, embora vinculadas às partes, também se dirigem a toda a sociedade, reafirmando a validade do direito.

A exceção do sigilo

O sigilo é exceção e deve ser aplicado apenas quando a preservação da intimidade se mostrar necessária, desde que não comprometa o interesse público.

Portanto, a questão não está em tornar os julgamentos públicos, mas sim em transformá-los em espetáculos midiáticos.

Quando a publicidade se torna espetáculo

Não há justificativa válida para que o Poder Judiciário transforme julgamentos específicos em novelas televisivas. A publicidade já está garantida pelo acesso do público à plateia e ao teor da decisão.

A transmissão ao vivo, porém, fere diversos princípios constitucionais e administrativos. Ela amplia a exposição de réus, testemunhas e jurados, comprometendo a dignidade das pessoas envolvidas.

A natureza administrativa da decisão

A autorização do juiz para transmitir o julgamento é um ato administrativo, não jurisdicional. Isso significa que não interfere diretamente no mérito da causa, mas deve respeitar princípios do direito administrativo, como:

  • Proporcionalidade: desproporção entre o interesse público e a exposição excessiva;
  • Impessoalidade: escolha casuística de um caso específico, em detrimento de outros que não despertariam igual atenção;
  • Finalidade: a publicidade já estava garantida sem a necessidade de transmissão em massa.

Comparações com o STF e a AP 470

Alguns podem argumentar que, se o STF transmite seus julgamentos, por que não a primeira instância?

A diferença está no contexto:

  • O STF julga majoritariamente questões constitucionais, com efeitos que vão além do caso específico.
  • A transmissão é rotina, não casuística.
  • A Ação Penal 470 (Mensalão), apesar de também ter tido aspectos de espetacularização, envolveu agentes públicos de relevância nacional, o que despertava interesse coletivo muito além de uma comunidade local.

Conclusão: o risco da espetacularização da Justiça

Não há diferença ontológica entre julgar crimes no STF ou em uma comarca, mas há distinções formais relevantes.

O risco que se coloca é o da espetacularização da Justiça. Se nada for feito, esse poderá ser apenas o primeiro episódio de um deplorável seriado.

Leonardo Massud é mestre, professor de Direito Penal na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, membro do Conselho de Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil (Secção São Paulo) e sócio do escritório Massud e Sarcedo Advogados Associados.

Revista Consultor Jurídico

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