Súmula Vinculante nº 24 do STF e os delitos contra a ordem tributária
O entendimento firmado pelo STF
Com a aprovação da Súmula Vinculante nº 24, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que:
“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.”
Isso significa que, nos chamados delitos contra a ordem tributária, a persecução penal só pode começar após a conclusão do procedimento administrativo fiscal.
O lançamento definitivo como exame preliminar
O lançamento definitivo do crédito tributário, realizado após o processo administrativo-fiscal, funciona como uma espécie de exame preliminar de corpo de delito.
É nesse momento que se verifica:
- A materialidade da infração;
- A existência ou não de tributo suprimido;
- O valor devido, caso positivo.
Num paralelo grosseiro, o lançamento definitivo se assemelha ao laudo de constatação nos crimes de tóxicos.
Limites da presunção de legitimidade
O trânsito em julgado no processo administrativo e o lançamento definitivo servem como indícios suficientes para o recebimento da denúncia penal.
Mas isso não significa que tais elementos sejam provas absolutas e inquestionáveis. Muitas vezes, a autuação tributária se baseia em presunções, usadas para suprir lacunas de fatos não investigados.
Um exemplo prático: o contribuinte e a malha fina
Imagine um contribuinte cuja declaração de Imposto de Renda caiu na malha fina por gastos médicos considerados suspeitos pela Receita Federal.
- Intimado a apresentar recibos, ele não entrega os documentos no prazo.
- Como resultado, recebe um auto de infração, presumindo-se que os gastos declarados eram inidôneos.
- O Ministério Público Federal o denuncia criminalmente.
Posteriormente, já no processo penal, o contribuinte apresenta os recibos médicos, arrola os profissionais de saúde como testemunhas e comprova a veracidade dos serviços prestados — inclusive com registros de que os valores foram declarados pelos médicos à Receita.
O papel da defesa no processo penal
Diante desse cenário, como deve agir o advogado?
O papel da defesa é demonstrar ao magistrado que o lançamento definitivo não pode ser encarado como prova absoluta. Isso porque a presunção de legitimidade do ato administrativo é juris tantum, ou seja, pode ser afastada mediante prova em contrário.
A verdade formal x a verdade real no processo penal
No direito tributário e administrativo, o juiz pode contentar-se com a verdade formal que emerge das manifestações das partes.
No processo penal, porém, prevalece o princípio da verdade real ou material, sem a qual o juiz não pode alcançar a certeza necessária para condenar o acusado.
A função do magistrado penal
O objetivo da defesa não é desconstituir o auto de infração no juízo penal — o que seria incabível —, mas mostrar que a manifestação da autoridade tributária nem sempre reflete a realidade fática.
A sentença penal não deve se limitar a homologar automaticamente o auto de infração. Cabe ao magistrado penal analisar minuciosamente os fatos, reconstruí-los de forma crítica e só então dar-lhes a devida qualificação jurídica.