Lava Jato e o espaço para outros debates
Nos últimos meses, as investigações da Operação Lava Jato ocuparam posição central na mídia, com notícias diárias sobre delação premiada, lavagem de dinheiro e crimes contra a administração pública. Esse cenário deixou pouco espaço no noticiário jurídico-penal-empresarial para outras questões igualmente relevantes, mas que também merecem aprofundamento.
Compliance Ambiental e a Lei nº 9.605/1998
Entre esses temas está a responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes ambientais, que, em quase 17 anos de vigência da Lei nº 9.605/1998, teve aplicação prática bastante limitada. A dificuldade se deve tanto à sua técnica legislativa deficiente quanto à interpretação consolidada nos tribunais, especialmente no STJ, de que essa forma de responsabilidade estaria condicionada à responsabilização penal pessoal.
A mudança de entendimento no STF
Esse cenário mudou recentemente. No fim de 2014, o Supremo Tribunal Federal (STF) rompeu com a interpretação do STJ ao publicar acórdão no RE nº 548.181/PR, relatado pela ministra Rosa Weber.
Ainda que não vinculante, a decisão afastou a necessidade de dupla imputação para os crimes ambientais atribuídos a pessoas jurídicas.
Impactos da decisão para o setor empresarial
A decisão do STF colocou a atividade empresarial em terreno instável. A mudança terá impacto significativo na aplicação da responsabilidade penal da pessoa jurídica, justamente porque essa modalidade surgiu da dificuldade em responsabilizar indivíduos e apontar, com segurança, os verdadeiros autores de crimes ambientais.
Agora, admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica por fato próprio, e não apenas como reflexo da responsabilização de pessoas físicas. No julgamento, destacou-se que o direito penal clássico foi concebido para condutas individuais e, por isso, não poderia limitar a responsabilização de entes coletivos.
Novos parâmetros de culpabilidade empresarial
O STF sinalizou a necessidade de criar novos conceitos de ação e culpabilidade para pessoas jurídicas. Entretanto, o acórdão se fundamenta mais em critérios pragmáticos do que dogmáticos, já que a Lei nº 9.605 também falha nesse aspecto.
O tribunal reconheceu a insuficiência da lei e atribuiu ao juiz penal a missão de analisar a organização e a estrutura interna das empresas para verificar eventual responsabilidade penal coletiva por crimes ambientais. Essa análise deverá se apoiar em critérios doutrinários e jurisprudenciais, dada a ausência de parâmetros legislativos claros.
Os critérios apontados por Rosa Weber
Em seu voto, a ministra Rosa Weber sugeriu alguns critérios para suprir a lacuna legislativa:
- Verificar se o delito decorreu do processo normal de deliberação interna da empresa;
- Examinar se as instâncias decisórias internas foram observadas;
- Avaliar se houve ciência, aceitação ou omissão em relação ao fato ilícito;
- Identificar se o crime foi utilizado como meio para alcançar objetivos sociais;
- Confirmar se o delito beneficiou a própria empresa ou terceiros.
Apesar desse esforço, a fixação de critérios de aferição da culpabilidade empresarial pela jurisprudência coloca a atividade empresarial em verdadeira instabilidade.
A centralidade do compliance ambiental
Diante desse contexto, os programas de compliance ambiental ganham renovada importância. Eles funcionam como instrumento de controle interno, alinhando condutas empresariais às boas práticas de governança corporativa.
Ao submeter todas as atividades a uma análise de riscos – inclusive jurídicos –, a empresa pode prevenir ilícitos ou reparar falhas, criando um sistema transparente de cumprimento normativo. Esse sistema deve estabelecer deveres e obrigações conhecidos por todos os colaboradores, permitindo que a companhia enfrente, com melhores condições, eventuais ações penais.
Conclusão: compliance como critério de justiça
Em última análise, somente planos sérios e efetivamente implementados de compliance ambiental permitirão ao Poder Judiciário distinguir empresas realmente comprometidas com a prevenção de riscos daquelas que se omitem. Assim, será possível aplicar justiça de forma adequada em casos de responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes ambientais.
Leandro Sarcedo é advogado, doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP).
Valor Econômico, São Paulo